Quem me vê hoje em
dia, talvez nem imagine que já fui um grande sapateador.
Não, não é falta de
modéstia, é verdade mesmo. Basta
perguntar pra quem me conheceu lá pelo final da década de 1970 até meados da de
1980.
Tá certo, já faz quase
40 anos. Mas, apesar deste tempo todo, ainda
lembro como se tivessem acontecido ontem, as inúmeras apresentações, individuais
e coletivas, das quais participei como integrante da Invernada Artística do CTG
Coronel Chico Borges, entidade da minha terra natal, Santo Antônio da Patrulha.
Eu era “meio enjoado”
no sapateio da Chula, do Malambo e das danças tradicionais, que naquela época, entre
1976 e 1981, não eram mais do que vinte.
Nós, integrantes da
invernada do Chico Borges, além de sabermos todas as danças oficiais, tínhamos ainda
no nosso repertório, uma dança a mais, chamada “Tirana Charrua”, que nos foi
ensinada pelo grande sapateador e excelente coreógrafo, Edegar Campos, à época
nosso instrutor.
A execução da Tirana
Charrua era um dos momentos mais esperados pela plateia que assistia as nossas apresentações,
pois se configurava num bonito espetáculo de sapateios, recitados e sarandeios,
que exigia boa memória, criatividade e muita habilidade dos dançarinos, motivos
pelos quais cativava e encantava o público.
Pra dançar a Charrua, bastavam dois peões, os mais destacados do grupo, que tivessem boa
agilidade no sapateio, e uma penda, preferencialmente a melhor e, sempre que
possível, a mais graciosa da invernada. Eu era sempre um destes peões.
O gaiteiro abria a
cordeona, iniciando os acordes da melodia própria da referida dança.
Na terceira volta, a
prenda se movimentava, sarandeando, em direção ao centro da pista do salão, ou
do palco, se fosse o caso.
Mais uma ou duas voltas
da música e ela mandava “parar a gaita”, após o que recitava estes versos:
Eu
entrei neste salão
Com
meu vestido de luxo
Quero
ver se aqui encontro
Ou se existe algum gaúcho
Após os versos recitados
pela prenda, o gaiteiro reiniciava a melodia da Tirana e logo já era
interrompido - “pára a gaita gaiteiro” - , desta vez por um dos peões que, vindo
de um lado da pista, aceitava o desafio da prenda e declamava uma glosa,:
Chinoca
quando te vi
Senti
um aperto no coração
Vou
fazer um passo dobrado
De
arrastar a espora no chão
Depois dos versos proferidos
pelo peão, o gaiteiro reiniciava a música.
O peão, executando passos sapateados, dirigia-se até o centro da pista, onde
a prenda continuava sarandeando.
Ao se se
aproximarem, o peão e a prenda encenavam uma espécie de “namoro”, no qual o
peão sapateava ao redor da prenda, executando, no final de cada compasso, uma
“castanhola”, levantando os dois braços e fazendo estalar o dedo médio com o
polegar.
Ao final do quarto
compasso, o peão cumprimentava a prenda e se retirava do centro da pista, sapateando,
de costas, até o seu lugar de origem.
A prenda continuava
sarandeando e dança prosseguia até que a prenda mandava o gaiteiro novamente
“parar a gaita”, após o que recitava outra estrofe desafiadora:
Eu
entrei neste fandango
E
desafiei um gaúcho
Mas
este que veio agora
Não
aguentou o repuxo
Depois do verso "debochado" da prenda, o gaiteiro retomava os acordes da melodia da Tirana
Charrua, até o momento em que era novamente interrompido, desta feita pelo
outro peão, posicionado em outra extremidade da pista. O peão também recitava
uma glosa para a prenda:
Prenda
linda, flor gaúcha
Gostei
da tua arrogância
Quero
ver se te agradam
Os
passos da minha dança
Depois da fala do
peão, a música reiniciava e este, sapateando, dirigia-se até o centro da pista,
onde a prenda o esperava sarandeando.
A exemplo de seu
“oponente”, ele sapateava ao redor da prenda e, no final de cada compasso,
executava uma “castanhola”.
Ao final do quarto
compasso, o peão, sapateando de costas, retornava ao seu local de origem.
A chegada do segundo
peão na lateral da pista, era a “deixa” para a etapa final da Tirana Charrua,
quando os dois peões, executando seus melhores passos de sapateio, dirigiam-se
ao centro, para demonstrarem simultaneamente, suas habilidades para prenda.
Os dois peões faziam
a mesma coreografia da primeira parte, cada um por um lado da prenda.
Ao final do quarto
compasso, eles sapateavam mais dois compassos e encerravam a dança, um
ajoelhado e o outro de pé, cada um segurando uma das mãos da prenda.
Dava gosto de dançar
a Tirana Charrua, pois além de ser muito bonita, era vistosa, divertida e uma desafiadora demonstração de talento.
Agora, transcorrido
este tempo todo, digam-me os mais entendidos do que eu...
Porque razão não se
fala mais e muito menos, se assiste apresentações da Tirana Charrua ??
Será que ela foi
inventada pelo nosso instrutor, Edegar Campos?
Não existe nenhuma
pesquisa de campo que comprove a existência dessa dança?
Talvez algum
instrutor de dança, ou quem sabe o nosso mestre e ícone maior do folclore
gaúcho, Paixão Côrtes, possa responder.
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