Reproduzo nota publicada pelo jornal Zero Hora, sobre o falecimento do poeta e compositor Ubirajara Raffo Constant, conhecido no meio cultural e nativista como Biratucho. No final da nota eu publico o seu principal poema "Retorno Bravo", um dos mais interpretados pelos grandes declamadores riograndenses.
Morreu na noite desta quarta-feira, em Uruguaiana, o poeta, escritor e radialista Ubirajara Rafo Constant'. Ele tinha 74 anos e foi vítima de insuficiência respiratória.
Uruguaianense, o poeta deixa uma importante obra para a cultura do Estado, como a poesia épica Retorno Bravo.
– Retorno Bravo é uma das poesias mais lindas do Rio Grande do Sul – afirma o cantor regionalista Luiz Carlos Borges.
Como compositor, Ubirajara escreveu letras premiadas nas Califórnias da Canção, como Ave Maria Pampeana e Mocito.
Borges descreve Ubirajara como "um grande amigo de Festivais da Barranca, de Califórnias. Uma figura humana maravilhosa e um cara muito inteligente".
O corpo de Ubirajara está sendo velado, na Biblioteca Prado Veppo de Uruguaiana. O enterro ocorre as 15h, no Cemitério Municipal Senhora Santana. O compositor deixa os filhos Felipe e Rafael, frutos de seu casamento com Maria Teresa Moreira.
RETORNO BRAVO
Ubirajara Raffo Constant
Ubirajara Raffo Constant
Ali da porta do rancho,
Junto de um cusquito nervoso,
Um velho guasca orgulhoso
Olhava o filho partir;
Também desejava ir
Com a mesma disposição,
Levando a lança na mão
Para se unir aos farroupilhas
E pelear sobre as coxilhas
Em defesa do rincão.
Mas, já velho e alquebrado
Perdera a força no braço;
Tinha no lombo o cansaço
Do peso de muitos anos;
Mas era um dos veteranos
Com orgulho do passado
Por ter a lança empunhado
Combatendo os castelhanos.
Que ganas tinha de ir
Aquele velho guerreiro
De novo para um entrevero
Como gaúcho pelear...
Mas ficava a se orgulhar
Que embora velho e cansado
Via o filho já criado
Partindo no seu lugar.
E, ali da porta do rancho,
Cheio de orgulho e pesar
Viu o moço se afastar
Com garbo e disposição;
Montando um flor de alazão,
O laço preso nos tentos,
O poncho soprado ao vento
E a lança firme na mão.
Depois, com a estrada deserta,
A noite se foi chegando;
A pampa foi silenciando
Nas grotas e nos banhados,
E o velho taura cansado
Do catre se foi chegando
Em silêncio memoriando
Entreveros do passado.
Assim a poeira dos dias
Cobriu o catre vazio
Do paisano que partiu
Do rancho para a guerrilha;
Levando na alma caudilha
De guasca continentino
A fibra, a glória e o tino,
De um campeador farroupilha.
Já muitos dias depois
Um chiru trouxe a notícia:
-A farroupilha milícia
Em que teu filho marchou
Peleando se dizimou...
Morreram mas não recuaram...
E entre os bravos que tombaram
Dizem que o moço tombou.
Num sentimento profundo
O velho ficou calado;
Mas no seu rosto enrugado
Não pode a dor esconder;
Deixando livre correr
Do fundo da alma ferida
Uma lágrima sentida
Que ele não pôde conter.
Tristonha caiu a noite
E mais triste a madrugada;
Latia ao longe a cuscada,
Nas frinchas gemia o vento...
E sem dormir um momento,
Ali no catre estirado,
O velho ficou atado
Na soga dos pensamentos.
Lembrava o filho em criança
Correndo a pampa em retoço...
A melena em alvoroço
Soprada ao vento pampeano;
Recordou ano por ano
Até que o piá ficou moço
E ali na porta do rancho
Partiu para a revolução...
Montando um flor de alazão,
O laço preso nos tentos
O poncho soprado ao vento
E a lança firme na mão.
Estava assim recordando
Quando lá fora um gemido
Lhe fez parar o ouvido
E despertou-lhe atenção...
E quando ouviu uma mão,
Naquela hora tão morta,
Forcejar de encontro a porta
Como a querer arromba-la,
Sua visão ficou clara
Voltando-lhe luz e brilho;
E num ímpeto caudilho
A porta abriu com vigor
E estarreceu-se de horror
Ante a figura do filho.
Cambaleante, ensangüentado,
As vestes feitas frangalhos,
O corpo cheio de talhos
Dobrado pelo cansaço,
Já sem força em nenhum braço,
Já sem poder ver direito,
E com o meio do peito
Aberto por um lançaço.
Fitando os olhos do moço
O velho ficou calado;
Estarrecido, espantado,
Vendo-o ali em sua frente;
Então gritou gravemente:
-Meu filho, Por que voltaste?
Por que? Por que não tombaste
Onde tombou nossa gente?
Maldito sejas, covarde!
Tu já não és mais meu filho;
Não tens o sangue caudilho,
Não agüentaste o repucho...
Deixaste teus companheiros,
Fugiste do entrevero,
Tu já não és mais gaúcho.
Então, na face do guasca
Que peleando não tombou
Com um laçaço estampou
A ira do coração,
Prostrando-o rudemente
Com aquele gesto inclemente
Desfalecido no chão.
O moço, sentindo a morte
Roubar-lhe o sopro da vida,
Com a alma triste e ferida,
Ali prostrado no chão,
Sem rancor no coração
Olhou ao pai ao seu lado
E já num último brado
Fez a brava confissão:
-Meu pai, eu não fui covarde,
Honrei meu poncho e minha adaga,
Fiquei coberto de chagas
Mas agüentei o repucho;
Fui valente, fui gaúcho,
Peliei com todo o ardor...
E se aqui vim escondido
Foi para salvar do inimigo
O pavilhão tricolor.
E abrindo a camisa ao peito
Tirou em sangue banhado
Aquele trapo sagrado
Que até o fim defendeu...
Beijando-lhe o estendeu
Ao pai num último esforço,
Depois, curvando o dorso,
O bravo guasca morreu.
Junto de um cusquito nervoso,
Um velho guasca orgulhoso
Olhava o filho partir;
Também desejava ir
Com a mesma disposição,
Levando a lança na mão
Para se unir aos farroupilhas
E pelear sobre as coxilhas
Em defesa do rincão.
Mas, já velho e alquebrado
Perdera a força no braço;
Tinha no lombo o cansaço
Do peso de muitos anos;
Mas era um dos veteranos
Com orgulho do passado
Por ter a lança empunhado
Combatendo os castelhanos.
Que ganas tinha de ir
Aquele velho guerreiro
De novo para um entrevero
Como gaúcho pelear...
Mas ficava a se orgulhar
Que embora velho e cansado
Via o filho já criado
Partindo no seu lugar.
E, ali da porta do rancho,
Cheio de orgulho e pesar
Viu o moço se afastar
Com garbo e disposição;
Montando um flor de alazão,
O laço preso nos tentos,
O poncho soprado ao vento
E a lança firme na mão.
Depois, com a estrada deserta,
A noite se foi chegando;
A pampa foi silenciando
Nas grotas e nos banhados,
E o velho taura cansado
Do catre se foi chegando
Em silêncio memoriando
Entreveros do passado.
Assim a poeira dos dias
Cobriu o catre vazio
Do paisano que partiu
Do rancho para a guerrilha;
Levando na alma caudilha
De guasca continentino
A fibra, a glória e o tino,
De um campeador farroupilha.
Já muitos dias depois
Um chiru trouxe a notícia:
-A farroupilha milícia
Em que teu filho marchou
Peleando se dizimou...
Morreram mas não recuaram...
E entre os bravos que tombaram
Dizem que o moço tombou.
Num sentimento profundo
O velho ficou calado;
Mas no seu rosto enrugado
Não pode a dor esconder;
Deixando livre correr
Do fundo da alma ferida
Uma lágrima sentida
Que ele não pôde conter.
Tristonha caiu a noite
E mais triste a madrugada;
Latia ao longe a cuscada,
Nas frinchas gemia o vento...
E sem dormir um momento,
Ali no catre estirado,
O velho ficou atado
Na soga dos pensamentos.
Lembrava o filho em criança
Correndo a pampa em retoço...
A melena em alvoroço
Soprada ao vento pampeano;
Recordou ano por ano
Até que o piá ficou moço
E ali na porta do rancho
Partiu para a revolução...
Montando um flor de alazão,
O laço preso nos tentos
O poncho soprado ao vento
E a lança firme na mão.
Estava assim recordando
Quando lá fora um gemido
Lhe fez parar o ouvido
E despertou-lhe atenção...
E quando ouviu uma mão,
Naquela hora tão morta,
Forcejar de encontro a porta
Como a querer arromba-la,
Sua visão ficou clara
Voltando-lhe luz e brilho;
E num ímpeto caudilho
A porta abriu com vigor
E estarreceu-se de horror
Ante a figura do filho.
Cambaleante, ensangüentado,
As vestes feitas frangalhos,
O corpo cheio de talhos
Dobrado pelo cansaço,
Já sem força em nenhum braço,
Já sem poder ver direito,
E com o meio do peito
Aberto por um lançaço.
Fitando os olhos do moço
O velho ficou calado;
Estarrecido, espantado,
Vendo-o ali em sua frente;
Então gritou gravemente:
-Meu filho, Por que voltaste?
Por que? Por que não tombaste
Onde tombou nossa gente?
Maldito sejas, covarde!
Tu já não és mais meu filho;
Não tens o sangue caudilho,
Não agüentaste o repucho...
Deixaste teus companheiros,
Fugiste do entrevero,
Tu já não és mais gaúcho.
Então, na face do guasca
Que peleando não tombou
Com um laçaço estampou
A ira do coração,
Prostrando-o rudemente
Com aquele gesto inclemente
Desfalecido no chão.
O moço, sentindo a morte
Roubar-lhe o sopro da vida,
Com a alma triste e ferida,
Ali prostrado no chão,
Sem rancor no coração
Olhou ao pai ao seu lado
E já num último brado
Fez a brava confissão:
-Meu pai, eu não fui covarde,
Honrei meu poncho e minha adaga,
Fiquei coberto de chagas
Mas agüentei o repucho;
Fui valente, fui gaúcho,
Peliei com todo o ardor...
E se aqui vim escondido
Foi para salvar do inimigo
O pavilhão tricolor.
E abrindo a camisa ao peito
Tirou em sangue banhado
Aquele trapo sagrado
Que até o fim defendeu...
Beijando-lhe o estendeu
Ao pai num último esforço,
Depois, curvando o dorso,
O bravo guasca morreu.
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