10 janeiro 2013

MORRE O POETA BIRATUCHO


Reproduzo nota publicada pelo jornal Zero Hora, sobre o falecimento do poeta e compositor Ubirajara Raffo Constant, conhecido no meio cultural e nativista como Biratucho. No final da nota eu publico o seu principal poema "Retorno Bravo", um dos mais interpretados pelos grandes declamadores riograndenses. 

Morreu na noite desta quarta-feira, em Uruguaiana, o poeta, escritor e radialista Ubirajara Rafo Constant'. Ele tinha 74 anos e foi vítima de insuficiência respiratória.
Uruguaianense, o poeta deixa uma importante obra para a cultura do Estado, como a poesia épica Retorno Bravo.
– Retorno Bravo é uma das poesias mais lindas do Rio Grande do Sul – afirma o cantor regionalista Luiz Carlos Borges.
Como compositor, Ubirajara escreveu letras premiadas nas Califórnias da Canção, como Ave Maria Pampeana e Mocito.
Borges descreve Ubirajara como "um grande amigo de Festivais da Barranca, de Califórnias. Uma figura humana maravilhosa e um cara muito inteligente".
O corpo de Ubirajara está sendo velado, na Biblioteca Prado Veppo de Uruguaiana. O enterro ocorre as 15h, no Cemitério Municipal Senhora Santana. O compositor deixa os filhos Felipe e Rafael, frutos de seu casamento com Maria Teresa Moreira.

RETORNO BRAVO
Ubirajara Raffo Constant

Ali da porta do rancho,
Junto de um cusquito nervoso,
Um velho guasca orgulhoso
Olhava o filho partir;
Também desejava ir
Com a mesma disposição,
Levando a lança na mão
Para se unir aos farroupilhas
E pelear sobre as coxilhas
Em defesa do rincão.

Mas, já velho e alquebrado
Perdera a força no braço;
Tinha no lombo o cansaço
Do peso de muitos anos;
Mas era um dos veteranos
Com orgulho do passado
Por ter a lança empunhado
Combatendo os castelhanos.

Que ganas tinha de ir
Aquele velho guerreiro
De novo para um entrevero
Como gaúcho pelear...
Mas ficava a se orgulhar
Que embora velho e cansado
Via o filho já criado
Partindo no seu lugar.

E, ali da porta do rancho,
Cheio de orgulho e pesar
Viu o moço se afastar
Com garbo e disposição;
Montando um flor de alazão,
O laço preso nos tentos,
O poncho soprado ao vento
E a lança firme na mão.

Depois, com a estrada deserta,
A noite se foi chegando;
A pampa foi silenciando
Nas grotas e nos banhados,
E o velho taura cansado
Do catre se foi chegando
Em silêncio memoriando
Entreveros do passado.

Assim a poeira dos dias
Cobriu o catre vazio
Do paisano que partiu
Do rancho para a guerrilha;
Levando na alma caudilha
De guasca continentino
A fibra, a glória e o tino,
De um campeador farroupilha.

Já muitos dias depois
Um chiru trouxe a notícia:
-A farroupilha milícia
Em que teu filho marchou
Peleando se dizimou...
Morreram mas não recuaram...
E entre os bravos que tombaram
Dizem que o moço tombou.

Num sentimento profundo
O velho ficou calado;
Mas no seu rosto enrugado
Não pode a dor esconder;
Deixando livre correr
Do fundo da alma ferida
Uma lágrima sentida
Que ele não pôde conter.

Tristonha caiu a noite
E mais triste a madrugada;
Latia ao longe a cuscada,
Nas frinchas gemia o vento...
E sem dormir um momento,
Ali no catre estirado,
O velho ficou atado
Na soga dos pensamentos.

Lembrava o filho em criança
Correndo a pampa em retoço...
A melena em alvoroço
Soprada ao vento pampeano;
Recordou ano por ano
Até que o piá ficou moço
E ali na porta do rancho
Partiu para a revolução...
Montando um flor de alazão,
O laço preso nos tentos
O poncho soprado ao vento
E a lança firme na mão.

Estava assim recordando
Quando lá fora um gemido
Lhe fez parar o ouvido
E despertou-lhe atenção...
E quando ouviu uma mão,
Naquela hora tão morta,
Forcejar de encontro a porta
Como a querer arromba-la,
Sua visão ficou clara
Voltando-lhe luz e brilho;
E num ímpeto caudilho
A porta abriu com vigor
E estarreceu-se de horror
Ante a figura do filho.

Cambaleante, ensangüentado,
As vestes feitas frangalhos,
O corpo cheio de talhos
Dobrado pelo cansaço,
Já sem força em nenhum braço,
Já sem poder ver direito,
E com o meio do peito
Aberto por um lançaço.

Fitando os olhos do moço
O velho ficou calado;
Estarrecido, espantado,
Vendo-o ali em sua frente;
Então gritou gravemente:
-Meu filho, Por que voltaste?
Por que? Por que não tombaste
Onde tombou nossa gente?

Maldito sejas, covarde!
Tu já não és mais meu filho;
Não tens o sangue caudilho,
Não agüentaste o repucho...
Deixaste teus companheiros,
Fugiste do entrevero,
Tu já não és mais gaúcho.

Então, na face do guasca
Que peleando não tombou
Com um laçaço estampou
A ira do coração,
Prostrando-o rudemente
Com aquele gesto inclemente
Desfalecido no chão.

O moço, sentindo a morte
Roubar-lhe o sopro da vida,
Com a alma triste e ferida,
Ali prostrado no chão,
Sem rancor no coração
Olhou ao pai ao seu lado
E já num último brado
Fez a brava confissão:

-Meu pai, eu não fui covarde,
Honrei meu poncho e minha adaga,
Fiquei coberto de chagas
Mas agüentei o repucho;
Fui valente, fui gaúcho,
Peliei com todo o ardor...
E se aqui vim escondido
Foi para salvar do inimigo
O pavilhão tricolor.

E abrindo a camisa ao peito
Tirou em sangue banhado
Aquele trapo sagrado
Que até o fim defendeu...
Beijando-lhe o estendeu
Ao pai num último esforço,
Depois, curvando o dorso,
O bravo guasca morreu.


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